20 agosto 2013

O jeito na cultura brasileira

Prezados alunos,

O que é o jeitinho brasileiro?

O "jeitinho brasileiro" na visão dos gringos
Valor Econômico - 04/01/2010

Dificuldades com o idioma e o medo da violência são algumas das dificuldades mais óbvias enfrentadas pelos estrangeiros que se mudam a trabalho para o Brasil. O país, contudo, apresenta uma diversidade cultural e uma complexidade social que pode confundir quem chega desprevenido para fazer negócios. Mesmo porque, os brasileiros não costumam separar a vida pessoal da profissional.

Entrar em uma negociação de maneira formal e sem fazer uma socialização prévia, por exemplo, pode ser considerado grosseiro. "Os brasileiros gostam de ter alguma intimidade com a outra pessoa, para sentir que estão fazendo negócios com alguém de confiança. Antes de entrarem no que interessa, perguntam do fim de semana e puxam assuntos genéricos", afirma o holandês Joris Steinberg.

Há dois anos no Brasil, Steinberg veio cursar um MBA no Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração de Empresas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/ UFRJ), já com o intuito de aprender português, trabalhar e morar na cidade - hoje ele é consultor sênior da Visagio, empresa de consultoria e desenvolvimento em engenharia de gestão. O choque cultural e as dificuldades que passou desde que chegou ao Rio o levaram a pesquisar o assunto mais profundamente em sua tese de mestrado do curso.

Conversando com pessoas oriundas de diversos países como Alemanha, Japão, Estados Unidos, Inglaterra e Israel, Steinberg, notou que a origem de cada um pode acentuar uma ou outra dificuldade, mas a percepção geral dos estrangeiros em relação aos brasileiros e, mais especificamente aos cariocas, é bastante parecida. "Problemas com burocracia, impontualidade, excesso de informalidade no ambiente de trabalho, falta de planejamento e o caráter indireto da comunicação são sempre os fatores que mais incomodam", afirma.

Este último quesito, aliás, chega a ser um problema até mesmo para os portugueses. "Claro que não tenho grandes dificuldades com a linguagem verbal, mas é preciso também saber ler nas entrelinhas. Enrolar a situação para não ter que dizer 'não', por exemplo, é normal para os brasileiros", afirma João Gonçalves, sócio de uma empresa de marketing de tecnologia em novas formas de mídia e há quase dois anos morando no Rio.

Acostumado a ser direto e objetivo, o analista americano Andrew de Simone percebeu rápido que para ter sucesso precisava ser mais sociável e não focar apenas o trabalho. Há dois anos e meio no Brasil, ele acha que mostrar simpatia e vontade de fazer parte do grupo é tão importante quanto ter habilidades técnicas. "Nos Estados Unidos, ninguém estranha se um funcionário é sério, solitário ou fechado. O importante é ele ser competente. Aqui, é fundamental se relacionar", explica.

Andrew, porém, considera essa característica uma vantagem. "O dia a dia fica melhor, mais leve. As pessoas geralmente são bem humoradas e menos rígidas, o que torna o ambiente agradável", diz. Em um primeiro momento, no entanto, isso pode ser entendido pelo estrangeiro como falta de seriedade, explica Vivian Leite, diretora da Goingplaces, consultoria que prepara pessoas para trabalhar em outros países.

De acordo com ela, o ambiente de trabalho mais descontraído e amigável é uma das coisas que mais fazem falta para quem vem trabalhar no Brasil e depois volta para casa. "Eles descobrem que é possível ser profissional sem ter de parecer sério e formal o tempo todo. E não conseguirão mudar isso em seus países de origem", diz. Ao mesmo tempo, Andrew acha que o estilo mais personalizado de liderar e de negociar acaba fazendo com que a hierarquia seja mais temida, o que na opinião dele é um ponto negativo. "As pessoas têm medo de confrontar os seus superiores e até mesmo de denunciar alguma injustiça. Nos EUA isso não acontece, pois se confia plenamente que o sistema protegerá o indivíduo. Aqui, protege-se o sistema."

Mariana Barros, diretora da Differance, empresa que oferece assistência para profissionais expatriados, afirma que a partir do momento que o estrangeiro entende as raízes de determinados comportamentos e atitudes, os preconceitos são quebrados. "O objetivo é fazê-lo entender não apenas como as coisas funcionam, mas os motivos disso. Quando a pessoa tem esse olhar abrangente, é como se caísse a ficha e tudo começa a fluir mais facilmente."

Joris Steinberg diz que mesmo comportamentos que considerava ineficientes mostraram ter suas vantagens. Logo, não é uma questão de quem é melhor ou pior, mas de saber trabalhar com as diferenças. "Os brasileiros têm o costume de deixar as coisas para a última hora. O planejamento fica sempre em aberto e se trabalha muito com a incerteza. A partir daí, porém, surgem a criatividade e a flexibilidade para resolver imprevistos, além de uma tolerância maior com os prazos", afirma o holandês, acostumado com modelos de trabalho mais rígidos e engessados.

Para Mariana Barros, as empresas multinacionais já se deram conta de que a cultura é importante para o bom desempenho do executivo e não deve ser desprezada. Deve-se, portanto, estudar a cultura de onde se vai entrar antes para evitar prejuízos depois. "Não adianta estereotipar. É preciso aprender a negociar os conflitos e incorporar as diferenças", diz. Na opinião de Vivian Leite os estrangeiros precisam entender que, pelo menos no curto prazo, são eles que devem se adequar ao ritmo dos colegas e não o contrário. "Se ele chegar tentando impor suas condições na força, sem respeitar as características locais e nem ouvir a equipe, será boicotado", ressalta.

Para quem viaja sozinho em busca de trabalho em outros países, sem o apoio de uma empresa ou de uma consultoria especializada, a dica de Mariana é buscar informações e networking em redes sociais específicas para expatriados como a InterNations (www.internations.org).

De maneira geral, contudo, os estrangeiros concordam que quem tiver disposição, vontade e mente aberta poderá aproveitar o tempo que viver no Brasil tanto pelo lado profissional quanto pessoal. A hospitalidade e a receptividade dos brasileiros, aliás, são fatores frequentemente elogiados por quem vem de fora. Segundo Steinberg, parte disso se deve também pelo fato de não haver uma barreira física. "Qualquer pessoa do mundo poderia ser brasileira. Não há um biótipo padrão aqui, então a integração fica mais fácil. Em determinados países o estrangeiro destoa da população local, sente-se um completo estranho e passa a ser tratado de forma diferente por conta disso."


Quem tiver mais interesse no tema, procure o livro de Keith Rosen chamado O jeito na cultura brasileira, da Editora Renovar.