Segue interessante matéria publicada há alguns anos no The New York Times. Recomendamos a sua leitura!
O artigo foi traduzido pelos alunos da graduação em direito da UERJ: Gustavo Lwide de Oliveira Maciel e Bruna Araujo Coe Bastos, sob a coordenação da Profª Chiara de Teffé
O artigo foi traduzido pelos alunos da graduação em direito da UERJ: Gustavo Lwide de Oliveira Maciel e Bruna Araujo Coe Bastos, sob a coordenação da Profª Chiara de Teffé
May 25, 2008 American Exception
Rendering Justice, With One Eye on Re-election
Por Adam Liptak
Exceção americana
Prestando justiça, com um olho na reeleição
No mês passado, os eleitores de Wisconsin fizeram algo que é rotina nos
Estados Unidos, mas praticamente desconhecido no resto do mundo: Elegeram um
juiz.
A votação aconteceu após uma amarga campanha de 5 milhões de dólares, na
qual um juiz do tribunal de uma pequena cidade, com poucas referências, colocou no ar um anúncio de televisão
falsamente sugerindo que o único juiz negro da Suprema Corte do estado tinha
ajudado a libertar um estuprador, também negro. O desafiante destronou o
juiz com 51 por cento dos votos, e tornar-se-á
membro da Corte em Agosto.
A eleição foi, excepcionalmente, árdua, com propagandas sarcásticas de
ambos os lados, muitas delas provenientes de grupos independentes.
Contrasta a esse método de seleção de juízes distintamente americano, a
trajetória de Jean-Marc Baissus, um juiz do Tribunal de Grande Instância, um
tribunal distrital, em Toulouse, na França. Ele ainda lembra da prova
escrita de quatro dias de duração, a qual teve que realizar em 1984 para entrar
no programa de treinamento de 27 meses na “École Nationale de la Magistrature”,
a academia de elite que prepara juízes em Bordeaux, na França.
"Isso te faz ter pesadelos durante anos", disse o magistrado
sobre o exame escrito, o qual é aberto a quem já têm uma licenciatura em
Direito, e também os orais que se seguiram. Em alguns anos, menos de 5% dos
candidatos sobrevivem. "Você sai dessa completamente exausto",
disse o juiz Baissus.
A questão de como melhor selecionar juízes aturdiu advogados e cientistas
políticos durante séculos, mas, nos Estados Unidos, a maioria dos estados fez
sua escolha em favor da eleição popular. A tradição remonta ao “populismo Jacksoniano”
e seus defensores dizem que este tem a vantagem de fazer os juízes responsáveis
perante a vontade do
povo. Um juiz que toma uma série de decisões impopulares pode ser
desafiado em uma eleição e removido do tribunal.
"Se você quer juízes que correspondam à opinião pública, elegê-los
é a melhor maneira para isso", disse Sean Parnell, presidente do “Center for Competitive
Politics”, um grupo de defesa que se opõe à maior parte da regulamentação do
financiamento de campanha.
No âmbito nacional, 87% de todas as cortes estaduais enfrentam eleições,
e 39 estados elegem pelo menos alguns de seus juízes, de acordo com o Centro
Nacional de Tribunais Estaduais.
No resto do mundo, o método de seleção habitual enfatiza habilidades
técnicas e isola os juízes da vontade popular, tendendo na direção da
independência. Os métodos mais comuns de seleção judicial no exterior são
a nomeação por um legitimado do Poder Executivo, que é como os juízes federais
nos Estados Unidos são escolhidos, e uma espécie de função pública composta por
profissionais da carreira.
Fora dos Estados Unidos, especialistas em seleção judicial comparativa
dizem que existem apenas duas nações que têm eleições judiciais, e, mesmo
assim, de forma limitada. Os pequenos cantões suíços elegem juízes e, os
juízes nomeados do Supremo Tribunal japonês às vezes enfrentam eleições conservadoras,
apesar dos estudiosos do Japão dizerem que essas eleições são uma mera formalidade.
"Para o resto do mundo", Hans A. Linde, um juiz da Suprema
Corte Oregon, já aposentado, disse em um simpósio sobre seleção judicial em
1988, "a adesão americana às eleições judiciais é tão incompreensível como
a rejeição do país ao sistema métrico de medida . "
Sandra Day O'Connor, Ministra aposentada da
Suprema Corte [americana], condenou a prática de eleger juízes.
"Nenhuma outra nação do mundo faz isso", disse ela em uma
conferência sobre a independência judicial na Fordham Law School, em Abril,
"porque elas perceberam que não é possível obter juízes justos e
imparciais dessa maneira”.
O novo juiz do Supremo Tribunal de Wisconsin é Michael J. Gableman, que
foi o único juiz no Tribunal de Circuito Burnett County em Siren, Wiscousin, um
emprego que ele conseguiu em 2002, quando foi nomeado pelo governador Scott
McCallum, um republicano, para preencher uma vaga.
O governador, que recebeu 2,500 dólares, do Sr. Gableman, para financiar
sua campanha, o escolheu dentre os dois candidatos propostos pelo seu conselho
consultivo para seleção judicial. Juiz Gableman, um graduado da Escola
Universidade de Direito de Hamline em St. Paul, continuou sendo eleito para o
cargo no tribunal de circuito em 2003.
O modelo francês, muito mais rigoroso, em que os juízes aspirantes são
submetidos a uma bateria de testes, além de passarem anos em uma escola
especial, tem seus benefícios, disse Mitchel Lasser, professor de Direito da
Universidade de Cornell e autor de "As deliberações judiciais: Uma Análise
Comparativa de Transparência Judicial e Legitimidade. "
"Existem pessoas que realmente sabem o que estão fazendo",
disse o professor Lasser. "Eles passaram anos na escola fazendo
cursos práticos e teóricos sobre como ser um juiz. Estes são profissionais."
"O resto do mundo", ele acrescentou, "fica surpreso e
espantado com o que fazemos, e vagamente horrorizado. Eles acham que a ideia
de se ter juízes, sem absolutamente nenhuma formação educacional específica de
juiz, executando campanhas políticas é algo insano e, caracteristicamente, americano.”
Mas, alguns professores de direito e cientistas políticos norte
americanos, dizem que seus homólogos no exterior não devem descartar tão
rapidamente as eleições judiciais.
"Eu não sou acrítico do sistema norte-americano, o qual obviamente
possui excessos em termos de politização e do sistema de financiamento de
campanha", disse o professor David M. O'Brien, um especialista em políticas
judiciais na Universidade de Virginia e um editor de
"Independência Judicial na Era da Democracia: Perspectivas Críticas ao
Redor do Mundo"
"Mas esses outros sistemas também são problemáticas," continuou
o professor O'Brien. "Há uma maior transparência no sistema
norte-americano." A seleção de juízes nomeados, segundo ele, pode ser
influenciada por considerações políticas e pelo nepotismo, que são escondidos da
visão do público.
Um trabalho da Escola de Direito da Universidade de Chicago (University
of Chicago Law School) tentou, no ano passado, quantificar a qualidade relativa
dos juízes eleitos e dos nomeados nos tribunais superiores estaduais dos
Estados Unidos. Constatou-se que os juízes eleitos escreveram mais opiniões,
enquanto os juízes nomeados produziram opiniões de maior qualidade.
"Uma explicação simples para os nossos resultados", escreveram
os autores do trabalho - Stephen J. Choi, G. Mitu Gulati e Eric A. Posner -
"é que os cargos de juízes eleitorais atraem e recompensam pessoas
politicamente esclarecidas, enquanto os cargos de juízes nomeados conquistam
pessoas mais capazes profissionalmente. No entanto, as pessoas politicamente
experientes podem dar ao público o que ele deseja receber, ao invés de grandes
opiniões, em grandes quantidades".
Herbert M. Kritzer, que foi, até recentemente, professor de direito e
ciência política na Universidade de Wisconsin (University of Wisconsin), disse
que as eleições para juízes tinham profundas raízes no estado e na nação.
"É uma herança da imagem Jacksoniana populista dos cargos
públicos", disse ele."Somos loucos por eleições. O número de cargos
diferentes que elegemos é enorme."
Há motivo para se acreditar, porém, que a ideia de controle popular do
governo associada com o presidente Andrew Jackson é uma ilusão quando se trata
de juízes. Alguns cientistas políticos dizem que os eleitores não chegam nem
perto de receber informação suficiente para fazer escolhas sensatas, em parte
porque a maioria das corridas judiciais raramente recebe cobertura de
noticiários. Quando os eleitores têm algum tipo de informação, dizem esses
especialistas, é muitas vezes a partir de anúncios de televisão
sensacionalistas ou enganosos.
"Não se consegue controle popular com isso", disse Steven E.
Schier, professor de ciência política da Carleton College, em Minnesota.
"Quando se vota sem nenhuma informação, tem-se a ilusão de controle. A
grande norma é ‘não à informação deficiente’."
Ainda assim, muitas vezes, os juízes alteram seu comportamento com a
aproximação das eleições. Um estudo na Pensilvânia realizado por Gregory A.
Huber e Sanford C. Gordon descobriu que "todos os juízes, mesmo os mais
punitivos, aumentam suas sentenças quando a reeleição se aproxima,"
resultando em cerca de 2.700 anos de tempo de prisão adicional, ou 6%
do tempo total de prisão, em assaltos agravados, estupros e roubos, as
sentenças duram um período de 10 anos.
Em países de Common Law, os juízes são geralmente nomeados pelos
funcionários do poder executivo, embora, ultimamente, comissões judiciais
compostas por advogados e leigos estão realizando um papel mais importante na
seleção inicial dos candidatos. A Escócia adotou esse método em 2002, e
Inglaterra e País de Gales, em 2006.
Alan Paterson, professor de direito escocês, que atua no Conselho de
Nomeações Judiciais da Escócia (Judicial Appointments Board for Scotland),
disse que o sistema de seu país era transparente e funcionava bem, embora tenha
reconhecido que a idéia por trás de eleições judiciais era atraente.
"Parte de mim gosta disso", disse ele. "Resulta da
separação de poderes. Mas, em termos práticos, é muito difícil. Eles têm que
arrecadar um monte de dinheiro."
"A teoria é boa", disse ele. "A sua prática é inexequível. Nós não vamos fazê-la."
Em algumas nações, claro, o Judiciário não é nem independente nem
responsável perante o público.
"Tome um país como o Vietnã", disse o professor O'Brien.
"Aqueles pobres juízes são controlados por funcionários dos partidos,
mesmo em fase de julgamento. Isso é ainda pior do que temos na Pensilvânia,
Ohio e Texas, onde o custo de campanhas judiciais acaba de internsificar-se ao
longo do último par de décadas."
O juiz Gableman não respondeu às mensagens de telefone para comentar o
assunto. Em resposta a uma pergunta sobre suas qualificações em um fórum
on-line do site The Milwaukee Journal Sentinel, ele reconheceu que não tinha
nenhuma experiência em tribunais de recursos, mas disse que já havia discutido
um caso, a respeito de zoneamento, antes da Suprema Corte estadual.
Na recente eleição, a campanha do Juiz Gableman veiculou um anúncio de
televisão em que comparou as imagens de seu oponente, o magistrado Louis B.
Butler Jr., em vestes judiciais, com uma fotografia de Ruben Lee Mitchell, que
havia estuprado uma menina de 11 anos de idade. Tanto o juiz quanto o
estuprador são negros.
"Butler encontrou uma brecha", dizia o anúncio. "Mitchell
passou a molestar outra criança. As famílias de Wisconsin podem se sentir
seguras com Louis Butler no Supremo Tribunal Federal?"
Louis Butler Jr. havia advogado em defesa do Sr. Mitchell havia 20 anos e
tinha convencido dois tribunais recursais de que seu julgamento de estupro
fora errôneo. Mas a Suprema Corte Estadual decidiu que o erro foi
inofensivo, e não libertou o réu, como a propaganda sugeriu. Em vez disso, o
Sr. Mitchell cumpriu integralmente a sentença [served out his full term] e só então
passou a cometer outro crime.
Em uma entrevista, Butler - pós-graduado pela Faculdade de Direito da
Universidade de Wisconsin, que trabalhara durante 12 anos como juiz nos
tribunais de Milwaukee – disse que os últimos meses tinham posto em dúvida o seu
compromisso com as eleições.
"Historicamente, a minha posição tem sido a de que há algo a ser
dito para o público que está selecionando as pessoas que vão tomar decisões
sobre os seus futuros", disse o juiz Butler.
"Mas as pessoas deveriam estar olhando para a capacidade dos juízes
de analisar e interpretar a lei, sua formação jurídica, seu nível de
experiência e, o mais importante, sua imparcialidade", continuou ele.
"Não se devem estar tomando decisões baseadas em anúncios cheios de
mentiras, engano, falsidade e discriminação racial. O sistema está quebrado, e
isso rouba o público do seu direito de ser informado".
Baissus, juiz francês, disse que sua nação havia, uma vez, considerado
eleger seu poder judiciário.
"É um argumento que foi amplamente debatido após a Revolução
Francesa", disse ele. "Pensou-se que não seria uma boa ideia. Pessoas
buscando a reeleição não seriam independentes. Elas estão de fato perto do
eleitorado, mas às vezes desconfortavelmente perto."
Texto original disponível em: