15 dezembro 2015

A falácia da autoridade

O texto abaixo trata de um assunto que, embora importante e interessante, nada tem a ver com o Direito Civil... Ocorre que a introdução dele é tão boa que resolvi postá-lo aqui e incentivar sua leitura.


 "Tenho recebido muitas mensagens com variantes da seguinte pergunta:

"O senhor diz que X não é verdade. Mas o doutor fulano diz que X é verdade; o que o senhor diz a respeito?"

O doutor fulano aqui não é uma pessoa específica. O doutor fulano é às vezes é um médico que deu uma entrevista no jornal ou na televisão; às vezes é uma nutricionista que falou em um programa sobre saúde; outras vezes é um profissional de saúde que faz sucesso na redes sociais ou no youtube. Tanto faz. A questão aqui é que o doutor fulano é tido pelo leitor/espectador/internauta como uma figura de AUTORIDADE.

O que é a falácia de autoridade? É a ideia de que um argumento é inerentemente válido por ter sido proferido por uma figura que consideramos uma autoridade" .


Continua... Clique no link: A falácia da autoridade

07 novembro 2015

Discussão sobre neoconstitucionalismo é um acúmulo de equívocos

5 de setembro de 2015, CONJUR


Os filósofos do Direito do “mundo latino” precisam estar mais em contato uns com os outros. O distanciamento tem feito com que a produção desse grupo de pensadores seja “dispersa”. O resultado, no entendimento do professor Manuel Atienza Rodríguez, da Universidad de Alicante, na Espanha, é uma tendência de que os juristas latinos passem a “importar” conceitos, problemas e construções do mundo anglo-saxão.

“Não nos damos conta, mas o que estamos importando das universidades do mundo anglo-saxão são problemas, métodos de análise e objetivos que podem não ser exatamente os que seriam de maior interesse para nós”, diz, em entrevista à revista Consultor Jurídico. A solução, para ele, é criar “uma filosofia do Direito para o mundo latino, tanto na América quanto na Europa”.

É uma espécie de programa, ou projeto, para reunir pensadores responsáveis por desenvolver um Direito latino e colocá-los em contato. “Seria algo como uma filosofia do Direito 'regional', que ocuparia um lugar intermediário entre o que agora se faz em cada um de nossos países e a filosofia do Direito no âmbito mundial — que, na realidade, é a filosofia que se elabora em algumas universidades do mundo anglo-saxão e se exporta a outras partes do mundo”, explica o professor.

Manuel Atienza é catedrático de Filosofia do Direito da Universidade de Alicante, na Espanha, e diretor da pós-graduação em Argumentação Jurídica do curso de Direito da instituição. Foi diretor da revista Doxa - Cuadernos de Filosofía del Derecho - e já foi membro da Academia Europeia de Teoria do Direito e professor visitante da Universidade Autônoma de Madri.

Atienza falou à ConJur com exclusividade, em visita ao Brasil para palestras e cursos. Em sua passagem por Brasília, o professor espanhol proferiu o curso de argumentação jurídica na Universidade de Brasília (UnB), e palestra no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). 

Para esta entrevista, ele conversou com um de seus alunos, o procurador federal André Rufino do Vale, também colunista da ConJur. Rufino hoje está na Consultoria-Geral da União e é professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).


Eis a entrevista:

ConJur — Depois de um mês de cursos e palestras em diversas cidades brasileiras (Florianópolis, Rio de Janeiro, Recife, Belém, Brasília), qual a a impressão do senhor sobre o atual desenvolvimento da teoria do direito no Brasil?
Manuel Atienza Rodríguez — Minha impressão é que há muito interesse na matéria, e não só por parte dos “filósofos profissionais” do Direito. Surpreendeu-me, por exemplo, e de modo muito positivo, ver que os constitucionalistas brasileiros estão muito antenados em relação aos temas jusfilosóficos mais candentes dos últimos tempos: o debate sobre o positivismo, os princípios, a ponderação... No entanto, ao mesmo tempo, parece-me que existe também uma considerável dispersão e que falta poder articular toda uma série de pesquisas que estão sendo desenvolvidas um tanto isoladamente.

ConJur — Como assim?
Manuel Atienza —
 Posso estar equivocado, mas creio que esses pesquisadores (que compartilham as mesmas preocupações) muitas vezes não se conhecem entre si, ou se conhecem muito pouco. Os trabalhos que escrevem parecem estar, com frequência, orientados mais a um auditório de alemães ou de norte-americanos do que a juristas brasileiros. Há uma tendência a assumir posições excessivamente abstratas que não me parecem adequadas para dar resposta aos problemas que realmente importam.

ConJur — O senhor pode dar um exemplo?
Manuel Atienza —
 Parece muito estranho que se possa pensar que Heidegger nos dará a chave para a compreensão ou a crítica das súmulas vinculantes. Enfim, correndo o risco de parecer provocador, eu diria que a filosofia do Direito brasileira necessita de menos hermenêutica e mais filosofia analítica. E que conste que, em muitos aspectos, eu sou muito crítico em relação ao que, em países como Argentina e Espanha, fazem os filósofos analíticos.

ConJur — O senhor tem defendido "uma filosofia do Direito para o mundo latino", a qual teria a função primordial de resgatar os principais nomes da filosofia do direito dos países da Europa ibérica e da América Latina. Pode explicar esse projeto?
Manuel Atienza —
 Efetivamente escrevi vários trabalhos tratando de promover uma filosofia do Direito para o mundo latino, tanto da América quanto da Europa. Creio que essa foi minha vocação desde que comecei a me ocupar da filosofia do Direito, já há mais de 40 anos. Seria algo como uma filosofia do Direito “regional”, que ocuparia um lugar intermediário entre o que agora se faz em cada um de nossos países e a filosofia do Direito no âmbito mundial – que, na realidade, é a filosofia que se elabora em algumas universidades do mundo anglo-saxão e se exporta a outras partes do mundo.

ConJur — O projeto seria, então, criar um pensamento latino, como há hoje um pensamento anglo-saxão.
Manuel Atienza —
 Muitas vezes não nos damos conta, mas o que estamos importando das universidades do mundo anglo-saxão são problemas, métodos de análise e objetivos que podem não ser exatamente os que seriam de maior interesse para nós. Creio que se lográssemos articular uma comunidade jusfilosófica no conjunto de países do mundo latino (aproveitando a proximidade existente desde o ponto de vista cultural, linguístico etc.), poderíamos contribuir também para uma filosofia do Direito mais equilibrada no plano global.

ConJur — Esse projeto já está em prática?
Manuel Atienza —
 Convocamos um primeiro congresso em Alicante, na Espanha, para os dias 26 a 28 de maio de 2016, com o objetivo de dar um primeiro passo nessa direção. Mas para que fique claro: não se trata de ir contra os anglo-saxões, mas de potencializar o que se faz (e o que se poderia fazer) em nossos países. Tem a ver com algo a que antes me referia, e que não afeta unicamente aos jusfilósofos, aos juristas brasileiros: com frequência, se tem a impressão de que em nossos países, no mundo latino, renunciamos a ter um pensamento próprio (na filosofia do Direito e em muitos outros campos) e de que a única coisa de que somos capazes é de comentar ou difundir o que outros pensam. E eu creio que podemos, e devemos, aspirar a mais.

ConJur — Tem sido tema frequente das palestras do senhor o chamado neoconstitucionalismo. O assunto é bastante polêmico, especialmente na América Latina. Como o senhor se posiciona em relação a ele?
Manuel Atienza —
 A discussão em torno do chamado “neoconstitucionalismo” é um acúmulo de confusões. Para começar, o próprio termo é confuso (equívoco e equivocado): não tem sentido chamar assim uma teoria do Direito que nunca foi precedida por uma teoria “constitucionalista”. É também equivocado sustentar que as teses que comumente se apreendem dos autores “neoconstitucionalistas” estão respaldadas pelas obras de autores como Dworkin, Alexy, Nino ou Ferrajoli, que, certamente, nunca se autodenominaram “neoconstitucionalistas”. Enfim, se por “neoconstitucionalismo” se compreende uma teoria que nega que o raciocínio jurídico seja distinto do raciocínio moral, que identifica o Direito com os princípios e se desentende das regras, que promove a ponderação frente à subsunção e que apoia o ativismo judicial, então essa é, sem mais, uma concepção equivocada, insustentável, do Direito. Pode-se entender, não justificar, como uma reação frente ao formalismo jurídico, que provavelmente continue sendo o traço mais característico da cultura jurídica nos países latinos.

ConJur — O senhor, então, se opõe ao neoconstitucionalismo?
Manuel Atienza —
 A reação frente a esses excessos formalistas não pode incorrer no excesso contrário.  Sou partidário de uma concepção pós-positivista (constitucionalista), próxima a de autores como Dworkin, Alexy, Nino ou MacCormick, que se opõem tanto ao positivismo jurídico (a qualquer tipo de positivismo) quanto ao “neoconstitucionalismo”. A ideia central é que o Direito não pode ser concebido simplesmente como um sistema de normas, mas, fundamentalmente, como uma atividade, uma prática social que trata, dentro dos limites estabelecidos pelo sistema, de satisfazer a uma série de fins e valores que caracterizam essa prática. Por isso dou tanta importância à argumentação: por entender que é o instrumento adequado para obter esses objetivos, que são, afinal, garantir os direitos fundamentais das pessoas.

ConJur — O senhor tem sido considerado um dos principais pensadores atuais no contexto do denominado constitucionalismo teórico, ao lado de outros grandes nomes, como o do jurista italiano Luigi Ferrajoli. Quais são seus principais pontos de divergência em relação ao constitucionalismo de Ferrajoli?
Manuel Atienza —
 Sinto uma grande admiração, pessoal e profissional, por Ferrajoli e por isso lamento não estar de acordo com ele em alguns pontos teóricos que me parecem importantes – embora minha concordância com ele no plano político seja completa. Essas diferenças teóricas são basicamente duas. A primeira se refere à sua concepção positivista do Direito, da qual não compartilho porque me parece excessivamente pobre. Resumo minha posição em três aspectos: não creio que se possa separar o Direito da Moral da maneira estanque que Ferrajoli propõe (o que não significa que eu pense que o Direito é uma parte da Moral, nem nada desse estilo); tampouco compartilho sua tendência a ver o Direito quase exclusivamente como um conjunto de regras, e nem com a sua desqualificação radical da ponderação.

ConJur — E qual o segundo ponto de discordância?
Manuel Atienza —
 A segunda é que me oponho ao não-cognoscitivismo, ou ceticismo ético (no plano da teoria ética) que ele propugna. Pelo contrário, eu defendo o objetivismo moral (se assim se quer, mínimo; mas objetivismo), porque me parece que isso é um pressuposto necessário para poder dar conta do Direito do Estado constitucional e para poder atuar com sentido no interior das práticas jurídicas. Em particular, da judicial.


André Rufino do Vale é doutor em Direito e editor-chefe do Observatório da Jurisdição Constitucional . Professor dos cursos de graduação e pós-graduação do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e procurador Federal.

14 abril 2015

Dica: 50 filmes para conhecer criticamente a História

50 filmes para conhecer criticamente a História


Por Guilherme Antunes, em Cinetoscópio

Olá galera, preparei uma lista com alguns filmes para quem adora História. Um filme quando vai abordar algum contexto histórico ele utiliza recursos pedagógicos para uma maior aproximação, entretanto, é válido lembar das vinculações ideológicas em determinadas obras. Por vezes, um filme tem mais a dizer sobre o momento em que foi produzido do que a época que pretende retratar. Confira:

1 - Tempos Modernos (1939) – Direção: Charlie Chaplin
Um operário de uma linha de montagem, que testou uma “máquina revolucionária” para evitar a hora do almoço, é levado à loucura pela “monotonia frenética” do seu trabalho. Após um longo período em um sanatório ele fica curado de sua crise nervosa, mas desempregado.


2 - Z (1969) – Direção: Costa-Gavras
Conheça o caso Lambrakis, onde a morte de um político foi encoberta vergonhosamente por políticos e policiais, na Grécia dos anos 60. Vencedor dos Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e Edição, foi o primeiro filme a ser indicado também na categoria Melhor Filme.


3 - Dawson, Ilha 10 (2009) – Direção: Miguel Littin
Dawson, Ilha 10, aborda o golpe militar que em 1973 derrubou o governo democrático de Salvador Allende e vitimou milhares de chilenos, dando início a uma das mais longas e sangrentas ditaduras da América Latina. O filme mostra o sofrimento de ministros do governo Allende que foram aprisionados em uma ilha gelada, de clima antártico, onde funcionou um campo de concentração projetado pelo criminoso nazista Walter Rauff, então refugiado no Chile.


4 - Ivan, o Terrível – Parte I (1944) – Direção: Sergei M. Eisenstein
Em 1547, Ivan IV (1530-1584), arquiduque de Moscou, se auto-proclama o Czar de Rússia e se prepara para retomar territórios russos perdidos. Superando uma série de dificuldades e intrigas, Ivan consegue manipular as pessoas destramente e consolidar seu poder.


5 – Alexander Nevsky (1938) – Direção: Sergei M. Eisenstein
Na Rússia do século 13, invadida por estrangeiros, o príncipe Alexander Nevsky arregimenta a população para formar um exército e conter a invasão de cavaleiros teutônicos. Baseado em fatos históricos.


6 – Em Nome do Pai (1993) – Direção: Jim Sheridan
Em 1974, um atentado a bomba produzido pelo IRA (Exército Republicano Irlandês) mata cinco pessoas num pub de Guilford, arredores de Londres. O filme conta a história real do jovem rebelde irlandês Gerry Conlon, que junto de três amigos, é injustamente preso e condenado pelo crime. Giuseppe Conlon, pai de Gerry, tenta ajudá-lo e também é condenado, mas pede ajuda à advogada Gareth Peirce, que investiga as irregularidades do caso.

7 - Doutor Jivago (1965) – Direção: David Lean
O filme conta sobre os anos que antecederam, durante e após a Revolução Russa pela ótica de Yuri Zhivago (Omar Sharif), um médico e poeta. Enquanto Strelnikoff representa o “mal”, Yevgraf representa o “bom” elemento da Revolução Bolchevique.

8 - ... etc

22 março 2015

A eleição de juízes nos EUA

Segue interessante matéria publicada há alguns anos no The New York Times. Recomendamos a sua leitura! 
O artigo foi traduzido pelos alunos da graduação em direito da UERJ: Gustavo Lwide de Oliveira Maciel e Bruna Araujo Coe Bastos, sob a coordenação da Profª Chiara de Teffé


May 25, 2008  American Exception
Rendering Justice, With One Eye on Re-election                                        
Por Adam Liptak
Exceção americana

Prestando justiça, com um olho na reeleição

No mês passado, os eleitores de Wisconsin fizeram algo que é rotina nos Estados Unidos, mas praticamente desconhecido no resto do mundo: Elegeram um juiz.

A votação aconteceu após uma amarga campanha de 5 milhões de dólares, na qual um juiz do tribunal de uma pequena cidade, com poucas referências,  colocou no ar um anúncio de televisão falsamente sugerindo que o único juiz negro da Suprema Corte do estado tinha ajudado a libertar um estuprador, também negro. O desafiante destronou o juiz com 51 por cento dos votos, e tornar-se-á  membro da Corte em Agosto.

A eleição foi, excepcionalmente, árdua, com propagandas sarcásticas de ambos os lados, muitas delas provenientes de grupos independentes.

Contrasta a esse método de seleção de juízes distintamente americano, a trajetória de Jean-Marc Baissus, um juiz do Tribunal de Grande Instância, um tribunal distrital, em Toulouse, na França. Ele ainda lembra da prova escrita de quatro dias de duração, a qual teve que realizar em 1984 para entrar no programa de treinamento de 27 meses na “École Nationale de la Magistrature”, a academia de elite que prepara juízes em Bordeaux, na França.

"Isso te faz ter pesadelos durante anos", disse o magistrado sobre o exame escrito, o qual é aberto a quem já têm uma licenciatura em Direito, e também os orais que se seguiram. Em alguns anos, menos de 5% dos candidatos sobrevivem. "Você sai dessa completamente exausto", disse o juiz Baissus.

A questão de como melhor selecionar juízes aturdiu advogados e cientistas políticos durante séculos, mas, nos Estados Unidos, a maioria dos estados fez sua escolha em favor da eleição popular. A tradição remonta ao “populismo Jacksoniano” e seus defensores dizem que este tem a vantagem de fazer os juízes responsáveis ​​perante a vontade do povo. Um juiz que toma uma série de decisões impopulares pode ser desafiado em uma eleição e removido do tribunal.

"Se você quer juízes que correspondam à opinião pública, elegê-los é a melhor maneira para isso", disse Sean Parnell,  presidente do “Center for Competitive Politics”, um grupo de defesa que se opõe à maior parte da regulamentação do financiamento de campanha.

No âmbito nacional, 87% de todas as cortes estaduais enfrentam eleições, e 39 estados elegem pelo menos alguns de seus juízes, de acordo com o Centro Nacional de Tribunais Estaduais.

No resto do mundo, o método de seleção habitual enfatiza habilidades técnicas e isola os juízes da vontade popular, tendendo na direção da independência. Os métodos mais comuns de seleção judicial no exterior são a nomeação por um legitimado do Poder Executivo, que é como os juízes federais nos Estados Unidos são escolhidos, e uma espécie de função pública composta por profissionais da carreira.

Fora dos Estados Unidos, especialistas em seleção judicial comparativa dizem que existem apenas duas nações que têm eleições judiciais, e, mesmo assim, de forma limitada. Os pequenos cantões suíços elegem juízes e, os juízes nomeados do Supremo Tribunal japonês às vezes enfrentam eleições conservadoras, apesar dos estudiosos do Japão dizerem que essas eleições são uma mera formalidade.

"Para o resto do mundo", Hans A. Linde, um juiz da Suprema Corte Oregon, já aposentado, disse em um simpósio sobre seleção judicial em 1988, "a adesão americana às eleições judiciais é tão incompreensível como a rejeição do país ao sistema métrico de medida . "

Sandra Day O'Connor, Ministra aposentada da Suprema Corte [americana], condenou a prática de eleger juízes.

"Nenhuma outra nação do mundo faz isso", disse ela em uma conferência sobre a independência judicial na Fordham Law School, em Abril, "porque elas perceberam que não é possível obter juízes justos e imparciais dessa maneira”.

O novo juiz do Supremo Tribunal de Wisconsin é Michael J. Gableman, que foi o único juiz no Tribunal de Circuito Burnett County em Siren, Wiscousin, um emprego que ele conseguiu em 2002, quando foi nomeado pelo governador Scott McCallum, um republicano, para preencher uma vaga.

O governador, que recebeu 2,500 dólares, do Sr. Gableman, para financiar sua campanha, o escolheu dentre os dois candidatos propostos pelo seu conselho consultivo para seleção judicial. Juiz Gableman, um graduado da Escola Universidade de Direito de Hamline em St. Paul, continuou sendo eleito para o cargo no tribunal de circuito em 2003.

O modelo francês, muito mais rigoroso, em que os juízes aspirantes são submetidos a uma bateria de testes, além de passarem anos em uma escola especial, tem seus benefícios, disse Mitchel Lasser, professor de Direito da Universidade de Cornell e autor de "As deliberações judiciais: Uma Análise Comparativa de Transparência Judicial e Legitimidade. "

"Existem pessoas que realmente sabem o que estão fazendo", disse o professor Lasser. "Eles passaram anos na escola fazendo cursos práticos e teóricos sobre como ser um juiz. Estes são profissionais."

"O resto do mundo", ele acrescentou, "fica surpreso e espantado com o que fazemos, e vagamente horrorizado. Eles acham que a ideia de se ter juízes, sem absolutamente nenhuma formação educacional específica de juiz, executando campanhas políticas é algo insano e, caracteristicamente, americano.

Mas, alguns professores de direito e cientistas políticos norte americanos, dizem que seus homólogos no exterior não devem descartar tão rapidamente as eleições judiciais.

"Eu não sou acrítico do sistema norte-americano, o qual obviamente possui excessos em termos de politização e do sistema de financiamento de campanha", disse o professor David M. O'Brien, um especialista em políticas judiciais na Universidade de Virginia e um editor de "Independência Judicial na Era da Democracia: Perspectivas Críticas ao Redor do Mundo"

"Mas esses outros sistemas também são problemáticas," continuou o professor O'Brien. "Há uma maior transparência no sistema norte-americano." A seleção de juízes nomeados, segundo ele, pode ser influenciada por considerações políticas e pelo nepotismo, que são escondidos da visão do público.

Um trabalho da Escola de Direito da Universidade de Chicago (University of Chicago Law School) tentou, no ano passado, quantificar a qualidade relativa dos juízes eleitos e dos nomeados nos tribunais superiores estaduais dos Estados Unidos. Constatou-se que os juízes eleitos escreveram mais opiniões, enquanto os juízes nomeados produziram opiniões de maior qualidade.

"Uma explicação simples para os nossos resultados", escreveram os autores do trabalho - Stephen J. Choi, G. Mitu Gulati e Eric A. Posner - "é que os cargos de juízes eleitorais atraem e recompensam pessoas politicamente esclarecidas, enquanto os cargos de juízes nomeados conquistam pessoas mais capazes profissionalmente. No entanto, as pessoas politicamente experientes podem dar ao público o que ele deseja receber, ao invés de grandes opiniões, em grandes quantidades".

Herbert M. Kritzer, que foi, até recentemente, professor de direito e ciência política na Universidade de Wisconsin (University of Wisconsin), disse que as eleições para juízes tinham profundas raízes no estado e na nação.

"É uma herança da imagem Jacksoniana populista dos cargos públicos", disse ele."Somos loucos por eleições. O número de cargos diferentes que elegemos é enorme."

Há motivo para se acreditar, porém, que a ideia de controle popular do governo associada com o presidente Andrew Jackson é uma ilusão quando se trata de juízes. Alguns cientistas políticos dizem que os eleitores não chegam nem perto de receber informação suficiente para fazer escolhas sensatas, em parte porque a maioria das corridas judiciais raramente recebe cobertura de noticiários. Quando os eleitores têm algum tipo de informação, dizem esses especialistas, é muitas vezes a partir de anúncios de televisão sensacionalistas ou enganosos.

"Não se consegue controle popular com isso", disse Steven E. Schier, professor de ciência política da Carleton College, em Minnesota. "Quando se vota sem nenhuma informação, tem-se a ilusão de controle. A grande norma é ‘não à informação deficiente’."

Ainda assim, muitas vezes, os juízes alteram seu comportamento com a aproximação das eleições. Um estudo na Pensilvânia realizado por Gregory A. Huber e Sanford C. Gordon descobriu que "todos os juízes, mesmo os mais punitivos, aumentam suas sentenças quando a reeleição se aproxima," resultando em cerca de 2.700 anos de tempo de prisão adicional, ou 6% do tempo total de prisão, em assaltos agravados, estupros e roubos, as sentenças duram um período de 10 anos.

Em países de Common Law, os juízes são geralmente nomeados pelos funcionários do poder executivo, embora, ultimamente, comissões judiciais compostas por advogados e leigos estão realizando um papel mais importante na seleção inicial dos candidatos. A Escócia adotou esse método em 2002, e Inglaterra e País de Gales, em 2006.

Alan Paterson, professor de direito escocês, que atua no Conselho de Nomeações Judiciais da Escócia (Judicial Appointments Board for Scotland), disse que o sistema de seu país era transparente e funcionava bem, embora tenha reconhecido que a idéia por trás de eleições judiciais era atraente.

"Parte de mim gosta disso", disse ele. "Resulta da separação de poderes. Mas, em termos práticos, é muito difícil. Eles têm que arrecadar um monte de dinheiro."

"A teoria é boa", disse ele. "A sua prática é inexequível. Nós não vamos fazê-la."

Em algumas nações, claro, o Judiciário não é nem independente nem responsável perante o público.

"Tome um país como o Vietnã", disse o professor O'Brien. "Aqueles pobres juízes são controlados por funcionários dos partidos, mesmo em fase de julgamento. Isso é ainda pior do que temos na Pensilvânia, Ohio e Texas, onde o custo de campanhas judiciais acaba de internsificar-se ao longo do último par de décadas."

O juiz Gableman não respondeu às mensagens de telefone para comentar o assunto. Em resposta a uma pergunta sobre suas qualificações em um fórum on-line do site The Milwaukee Journal Sentinel, ele reconheceu que não tinha nenhuma experiência em tribunais de recursos, mas disse que já havia discutido um caso, a respeito de zoneamento, antes da Suprema Corte estadual.

Na recente eleição, a campanha do Juiz Gableman veiculou um anúncio de televisão em que comparou as imagens de seu oponente, o magistrado Louis B. Butler Jr., em vestes judiciais, com uma fotografia de Ruben Lee Mitchell, que havia estuprado uma menina de 11 anos de idade. Tanto o juiz quanto o estuprador são negros.

"Butler encontrou uma brecha", dizia o anúncio. "Mitchell passou a molestar outra criança. As famílias de Wisconsin podem se sentir seguras com Louis Butler no Supremo Tribunal Federal?"

Louis Butler Jr. havia advogado em defesa do Sr. Mitchell havia 20 anos e tinha convencido dois tribunais recursais de que seu julgamento de estupro fora errôneo. Mas a Suprema Corte Estadual decidiu que o erro foi inofensivo, e não libertou o réu, como a propaganda sugeriu. Em vez disso, o Sr. Mitchell cumpriu integralmente a sentença [served out his full term] e só então passou a cometer outro crime.

Em uma entrevista, Butler - pós-graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin, que trabalhara durante 12 anos como juiz nos tribunais de Milwaukee – disse que os últimos meses tinham posto em dúvida o seu compromisso com as eleições.

"Historicamente, a minha posição tem sido a de que há algo a ser dito para o público que está selecionando as pessoas que vão tomar decisões sobre os seus futuros", disse o juiz Butler.

"Mas as pessoas deveriam estar olhando para a capacidade dos juízes de analisar e interpretar a lei, sua formação jurídica, seu nível de experiência e, o mais importante, sua imparcialidade", continuou ele. "Não se devem estar tomando decisões baseadas em anúncios cheios de mentiras, engano, falsidade e discriminação racial. O sistema está quebrado, e isso rouba o público do seu direito de ser informado".

Baissus, juiz francês, disse que sua nação havia, uma vez, considerado eleger seu poder judiciário.

"É um argumento que foi amplamente debatido após a Revolução Francesa", disse ele. "Pensou-se que não seria uma boa ideia. Pessoas buscando a reeleição não seriam independentes. Elas estão de fato perto do eleitorado, mas às vezes desconfortavelmente perto."
Texto original disponível em: