04 fevereiro 2014

Linguagem Jurídica e Redação Forense

Texto de Wallace Magri ( http://wallacemagri.jusbrasil.com.br/)

"Esta autoridade judiciária tem mais de quarenta mil processos em tramitação nesta unidade jurisdicional, de maneira que, em prol da racionalização do serviço para uma maior eficiência do Poder Judiciário Catarinense, se vê obrigado a exigir maior concisão, clareza e objetividade nas peças processuais que tem dever de apreciar, por força do próprio cargo e do princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. da CF). Características essas – concisão, clareza e objetividade – que, inclusive, devem nortear todos os produtos jurídicos, mais ainda aqueles que são apresentados na praça de elegância do processo judicial". (Ação: consignação em pagamento. Proc. Nº 033.04.027273-0)
O texto acima é trecho de sentença judicial em que o Magistrado demonstra sua insatisfação com petição inicial produzida por advogado que não leva em consideração qualquer tipo de técnica redacional em busca do adequado desenvolvimento e demonstração de raciocínio lógico-jurídico em sua atividade profissional.

Como se sabe, as demandas judiciais são processos por meios dos quais um conjunto de raciocínios dialeticamente concatenados e tornados textos, que obedecem a determinado procedimento, permitem ao juiz concluir sobre a aplicação do direito ao caso concreto colocado sob sua jurisdição.

É espantoso como, em que pese todo o rigor do examinador do Exame de Ordem, a atividade judiciária conviva com um sem-número de peças processuais ‘sem pé nem cabeça’, que primam pela falta de concisão, objetividade e clareza – termos que destacamos da decisão judicial em epígrafe.

A linguística – ciência da linguagem – é ramo do conhecimento que busca descrever os fenômenos linguísticos e teorizar sobre como é possível a linguagem verbal humana. Já a Gramática Normativa compreende o estudo do conjunto de regras que devem ser obedecidas para a produção de enunciados conforme o padrão culto de determinada língua natural. Por meio dessas duas áreas do saber, é possível compreender como se dá a formação da linguagem jurídica e da redação forense, o que nos propomos a desenvolver neste artigo.

Em primeiro lugar, é preciso compreender que a linguagem jurídica é considerada linguagem de segundo grau, isto porque, embora se desenvolva por meio de determinada língua natural (português, inglês, francês, etc.), possui termos que são específicos do Direito, considerado por muitos uma ciência autônoma.

Sendo assim, o estudante e o profissional da área jurídica devem compreender a significação específica dos termos jurídicos, eis que são unívocos, ou seja, possuem significados específicos, de modo que um não pode ser utilizado pelo outro, como fazemos normalmente com palavras sinônimas.

Vale dizer, /roubo/ não é sinônimo de /extorsão/ e é juridicamente incorreto utilizar um termo pelo outro, eis que as consequências jurídicas são distintas. É à Semiologia que cabe teorizar a respeito dos signos linguísticos (unidades discretas de sentido) e suas relações de significação por meio de uma verdadeira rede em que um termo se relaciona com os demais termos da rede de relações semânticas, produzindo, assim, a linguagem jurídica.

Uma vez compreendida a relação semântica estabelecida entre os termos jurídicos, deve-se considerar que não pertence à linguagem jurídica a utilização de arcaísmos, expressões latinas e palavras rebuscadas em geral, que, sempre que possível, devem ser evitadas, em benefício da maior clareza do texto desenvolvido para fins forenses.

A utilização de tais termos é herança da Retórica Clássica, difundida nos meandros jurídicos pátrios no século XX e que perdeu espaço atualmente, em virtude do próprio empobrecimento semântico dos atuais operadores do direito que leem pouco e, por isso, possuem restrito repertório lexical. Assim, em nome da clareza, devem utilizar as palavras com as quais estão mais acostumados e de cujo significado têm conhecimento, desde que sigam o padrão da norma culta.

Além da noção de língua como sistema, a linguística também oferece mecanismos para compreender a linguagem enquanto processo de produção de enunciados – missão que cabe à Pragmática, ou Teoria dos Atos da Fala, essencial para a adequada produção de enunciados.

Aplicando a pragmática à Redação Forense, temos que esta deve ser desenvolvida de maneira lógica, por meio de parágrafos dissertativos, com a finalidade de convencer o magistrado sobre a correção do raciocínio desenvolvido, haja vista que esta é a intenção comunicacional neste caso.

Infelizmente, o que geralmente ocorre em peças jurídicas redigidas de maneira inadequada é que são verdadeiros ‘Franksteins’, graças ao advento do que poderíamos chamar de ‘Dr. Google’, ou seja, grande parte dos profissionais da área jurídica valem-se de referido mecanismo de pesquisa eletrônica para buscar ‘modelos’ para a peça jurídica que precisam redigir. Como a autoria dessas peças é de origem duvidosa e obviamente genérica, o ‘Dr. Google’ – que não desenvolveu aquele raciocínio e nem se deu ao trabalho de compreendê-lo – simplesmente insere trechos do caso em concreto em um modelo previamente elaborado, criando efeito de sentido de discurso difuso e excessivamente polifônico. Resultado: o texto perde fica sem concisão.

Observe que a concisão textual é informada pelos mecanismos de coerência e coesão textual. Enquanto a coerência textual permite ao leitor do texto compreender a sequência lógica do raciocínio jurídico em nível semântico, a coesão opera na sintaxe, construindo o caminho textual adequado para que as ideias possam fluir de modo harmônico e colaborativo.

Para que o enunciador da redação forense seja capaz de elaborar texto conciso, deve ter domínio das estruturas sintáticas do período simples e do período composto, sabendo se valer de preposições e conjunções a fim de fazer a ligação, respectivamente, dos termos dentro de uma oração e das orações entre si.

Ou seja, sem conhecimento gramatical, as ideias se perdem pelos caminhos mal traçados pela pobre noção de sintaxe, o que simplesmente aniquila a regência verbal, o acento indicativo da crase e a pontuação correta, confundindo ao invés de informar o leitor do texto e, com isso, fracassando em sua intenção comunicacional de persuasão do magistrado.

Correlata à noção de concisão está a de objetividade, o que nos remete a mais um tema de Pragmática, denominado ‘máximas conversacionais’, que nos ensina que, para que o texto cumpra adequadamente sua função comunicacional deve obedecer às seguintes máximas:

Máximas da quantidade
- que sua contribuição contenha o tanto de informação exigida.
- que sua contribuição não contenha mais informações do que é exigido.

Máximas da qualidade (verdade)
- que sua contribuição seja verídica.
- não afirme o que você pensa que é falso.
- não afirme coisa de que não tem provas.

Máxima da relação (da pertinência)
- fale o que é concernente ao assunto tratado (seja pertinente).

É uma pena que tais temas sejam frequentemente negligenciados nas Faculdades de Direito, que conferem espaço exíguo para a cadeira de Redação e Linguagem Jurídica, esquecendo-se de que é por meio da linguagem que o Direito se aperfeiçoa enquanto práxis. Certamente, a falta de conhecimento científico da linguagem pelos profissionais do direito está entre os fatores que impedem a melhoria das ciências jurídicas.

E, enquanto o ensino jurídico negligenciar esta tarefa, conviveremos diariamente com situações tais como a que frustrou o magistrado cujo texto é mencionado no início deste breve ensaio e, assim, muita tinta de impressora, folha A4, ‘bytes’ e ‘downloads’ serão gastos com a necessidade de emendas de petições iniciais e de embargos de declaração – remédio jurídico quando é ao juiz que falta clareza, concisão e objetividade, o que também é muito comum na redação forense.
                                                          
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O Autor é advogado e consultor jurídico; Sócio do escritório Lavítola, Siqueira e Reina sociedade de advogados; Doutor e Mestre em semiótica e linguística geral pela USP; Professor de graduação e pós-graduação de várias instituições.

Fonte: http://wallacemagri.jusbrasil.com.br/artigos/112510797/linguagem-juridica-e-redacao-forense?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter

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